quinta-feira, 25 de fevereiro de 2016

ESPIRITUALIDADE & MISTICISMO: ILUMINAÇÃO OU CONFUSÃO?



Uma das coisas que rapidamente me apercebi deste muito cedo na vida foi que, independentemente do valor intrínseco ou mesmo do potencial de cada vertente de filosofia teológica ou religião, há águas que não se misturam sem por em causa a integridade das mesmas. Há misturas que são contrassensos por terem premissas de raiz que não permitem acomodar uma compatibilidade plena ou, por vezes, mínima. Um abraâmico (judeu, cristão ou muçulmano), por exemplo, se ortodoxo, nunca poderia acreditar piamente num oraculo, método de adivinhação ou numa salvação através de conhecimento e compaixão somente porque algumas das premissas fundamentais de tanto judeus, cristãos e islâmicos é a noção de mácula à nascença, de propensão inescapável do ser humano para cometer atrocidades, da necessidade imperiosa de uma escala hierárquica e de uma casta sacerdotal masculina restrita, a solução de todos os problemas está encompassada nas palavras e atos dos seus guias e profetas oficiais e de mais ninguém- nem mesmo dos praticantes "normais".
Existe uma necessidade de entrega emocional, mental e física a um Deus que se auto revela como "invejoso", "ciumento", "rápido em cólera e castigo" para quem consulta ou tenta saber de algo sem ser através dos profetas e todas as vertentes possuem (judaísmo e cristianismo com um afã mais claro) uma distinta noção da absoluta indispensável necessidade de um ser divino, um Messias, que expie e redima a humanidade sem a aceitação do qual e seus preceitos de nada vale qualquer grau de compaixão, inteligência ou obras. Uma outra noção clara é a de monoteísmo acérrimo, nem os próprios profetas podem ser adorados; respeitados com certeza mas não adorados. 

 

O primeiro dos 10 mandamentos é precisamente a ordem de não adorar mais ninguém de todo. Judeus não ortodoxos veneram uma contraparte feminina de Deus, na cabala - ora isso já não é a religião israelita, nem o uso de numerologia, astrologia, misticismo das letras do alfabeto e outras "artes" como meio de obter conhecimento oculto através de artes divinatórias que são apenas pálidas cópias do que antes os seus vizinhos da Babilonia e Egipto tinham. Um israelita ou judeu, ou um cristão ou um muçulmano que venerem qualquer pessoa ou entidade (santos, anjos, etc.) para interceder junto de Deus e a quem façam promessas estão por defeito já a quebrar o primeiro mandamento. Se o fizerem fazendo oferendas de velas, incenso e/ou comida e/ou promessas de caminhadas, dadivas etc. para a realização duma tarefa divina para ultrapassar um obstáculo estarão a quebrar o primeiro mandamento e o mandamento da idolatria também.

Porque as pessoas têm vontade própria e alguns não se acomodam em submeter a vida toda à "letra da lei" nem as decisões de um só homem, começaram a olhar a volta e para o seu próprio passado e começaram a praticar o que não pode ser chamado de outra coisa que não paganismo e magia mas para não serem descobertos ou sancionados, mesclavam princípios dúbios da sua religião que era e é restritiva com invenções puras e apropriações culturais de modo a justificarem a outros e a si mesmos que o que fazem ainda tem lugar dentro do espectro ritualístico da confissão religiosa que seguem
Para ser prático e claro, alguns por exemplo acendem velas ao fazer um pedido a Deus ou aos santos. Este hábito nada tem a ver com a bíblia- de todo, é uma apropriação dum hábito religioso grego e romano. O uso de incenso na bíblia era para quando faziam sacrifícios de animais para disfarçar o cheiro e ser um símbolo de oração- o fumo a subir ao céu como as suas preces. Passou a ser usado nos altares, nas casas e quando se fazem pedidos por apropriação cultural de rituais da Babilónia e Egipto. A adoração de Maria é dos mais claros pontos de um povo a querer voltar aos tempos do paganismo onde havia a figura de uma entidade Maternal poderosa- algo que não apenas é omisso da bíblia mas é específica e claramente proibido. A par disto em lado algum, bíblia ou qualquer registo, ate o século II depois de Cristo, se falara de Maria com qualquer aspeto místico, de seu nascimento só sabíamos a linhagem

 

Assim que uma pessoa hoje ir a uma meditação de estilo budista e querer comunicar com o Alem através de tarot ou outros rituais, pedindo a intersecção de santos ou por exemplo de Saint Germain (que não foi um santo cristão, de todo, foi um assumido místico primeiro aparecendo no seculo 18 e nunca pregando nada apenas agindo e falando do que aprendera no oriente e de como achava a metodologia e teologia ocidental perigosamente castradora da mente e espirito, ocasionalmente engajando em rituais abertamente pagãos com laivos de budismo) ou de evocar anjos ou arcanjos (cujos nomes foram inventados como arquetipos muito depois da bíblia, surgindo em escritos os mais antigos do seculo IX de forma rudimentar e como os conhecemos hoje só haveriam de ser escritos no seculo XVII, sendo que na bíblia se adverte que não se pode evocar nada nem ninguém, nem um profeta os deve evocar porque Deus é o senhor dos anjos e não o mortal e o deus bíblico nunca mencionou nomes sem ser de 3 e não há na bíblia menção a títulos dos mesmos. Essa pessoa não pode por coerência querer misturar tudo e se sentir congruente nem muito menos cristão ou israelita.
As coisas têm nome. Uma pessoa que misture de tudo um pouco será um curioso, um aventureiro a tirar algo de uma cultura e outra coisa de outra. Não é mau nem é bom. Interessa é duas coisas: ´
1-      Quais os critérios seguidos? Um estudo a biografia dos autores de tais formas de pensamento e rituais tende a mostrar que agiam e escreviam- como é o caso de Eliphas Levi ou Agrippa, com um elevado grau de amargura face a liderança da igreja de onde foram expulsos mas também não plenamente conformados com a religião para onde foram se converter. Estes dois que mencionei misturam bíblia com misticismo cristão dos gnósticos com cabala da mística judaica com uma interpretação muito própria - e em ambos casos muito patriarcalista e adepta da necromancia, de forma algo confusa e contraditória e sempre mencionando que obtiveram conhecimento de livros ocultos cujos títulos e autores nunca mencionam ou de anjos que só eles viram.
2-      Porque devo eu hoje, ou quem quer que seja, aceitar sem questionar que alguém misturou tudo a sua forma? Ademais se essa pessoa nem assume, ou as vezes sequer sabe, que o que diz pode ser muita coisa mas não é um ensinamento milenar nem muito menos monoteísta ou bíblico? Posso até acreditar e ver valor em alguns métodos e interpretações dum caminho ou de outro, mas irei sempre averiguar onde e como foi obter esse conhecimento. Isto não é ser teimoso ou céltico demais- eu ademais acredito na possibilidade de divindade, mas antes é um salutar desejo de conhecimento, de independência intelectual e espiritual

 

Chego a ver pessoas seguirem um caminho- ou a criá-lo, misturando a bíblia, cabala, livros de autores de caracter altamente dúbio do seculo 19/20 pertencentes a ordens de secretismo como Rosa Cruz, ordem do Templo, Ordem de Telema, Ordem da Manha Dourada, etc, misturar com restos de tradições orais de folclore místico da eurásia, inventando rituais e sem qualquer fonte comprovável afirmando ser de origem celta ou sul ameríndia, alegar ter acesso a conhecimento de continentes e pessoas desaparecidas, misturar isto tudo ainda mais com ficção cientifica e alegar existirem federações intergalácticas espirituais onde estão jesus, buda, Vishnu e outros (curioso que a parte de ficção cientifica New age é composta quase sempre só de homens e ademais todos ilustrados como brancos e louros...) indo ao detalhe de dizer a cor das fardas e que é quase igual ás do Star Trek.
Parece brincadeira? Mas não é, há pelo menos 6 correntes "espirituais" principais que eu conheça assim neste momento em franco crescimento e é delas que advém muitos livros ou de seus acólitos que depois saem e acrescentam ainda mais coisas e pontos e personagens e rituais. Os únicos 3 pontos comuns a vastissima maioria destes místicos adeptos da mistura cultural e ideológica?
1-      Nunca há bibliografias ou fontes nos seus escritos com mais de 50/80 anos;
2-       A solução para todos os problemas é o coração, a alma, a luz mas sempre de forma vaga e, a meu ver, irritantemente dogmática in extremis;Com um pendor para atribuir a todos um sentimento de perseguição; há sempre invejas, maus olhados, energias negativas e trabalhos feitos que só ele/ela pode ajudar e de bom coração o fará...pelo preço certo. Se passar, o mérito é de quem mandou fazer o ritual e pega-se a pessoa num ciclo, se não funcionar é porque Deus o não quis ou a pessoa foi fraca e tem de fazer mais sessões- pagas é óbvio. Nunca se fala em os problemas terem de ser enfrentados com maturidade, ser assertivo, ser bondoso, se alguem mesmo inveja- da a outra face e ignora, faz voluntariado, ajuda os pobres (em principio o que melhor limpa a alma é fazer o bem mas isto nunca é recomendado- desvia o foco da pessoa), obter apoio psicológico (porque perturbações mentais profundas como esquizofrenia paranoide, bipolaridade, ou mesmo depressão não passam com rezas, meditação ou rituais pagos- sem desmerito a validade possivel da oraçao ou meditação ou ritual mas TEM de haver cuidado com o que se diz e apontar a pessoa para cuidados médicos profissionais, para lidar e não apenas fugir ou negar a existencia de problemas)
3-      Fazem-se pagar e bem pelo conhecimento não rastreável de rituais não explicados. Quando digo fazem-se pagar bem digo pedirem uma média de 50euros para uma meditação ou 50/100euros por uma leitura de um método de adivinhação seja tarot, runas etc, ou rituais de limpeza da pessoa/casa por 100/200euros; formações ou seja ensino de princípios alegadamente libertadores por nunca menos de 250euros por 8/10horas sem haver bibliografias, explicação histórica, biografia de quem desenvolveu ou contribui para tais métodos, um lado mais pragmático e especifico e personalizado e NUNCA uma formação que seja tão extensa que exponha tudo mas que diga apenas o que se quer ouvir de forma vaga, não vinculativa, fantasiosa q.b. para despertar curiosidade mas nunca pragmática ou completa q.b. para que a pessoa numa só sessão possa ter dados para formar uma opinião do todo e muito menos ser capaz de se sentir um praticante pleno (para isso tem de ele/ela mesmo ter outra formação de iniciação ou formação de formadores- a serio isto existe, por uma media de 500/800euros por um período que pode ir de 8horas a um par de meses)

 Nem vou pelo se resultam ou não porque a meu ver onde há crença e energia suficiente acaba por haver um dobrar de campos mórficos e pode se influenciar de facto a balança das probabilidades mas seja de que vertente seja porque não é o nome ou ritual ou instrumento que faz a alteração é a eletricidade/energia dos praticantes que desbloqueada e canalizada por que meio seja pode de facto fazer as mudanças
Chocados? Bem, eu fiquei e desanimado porque uns praticam e fazem estas coisas com convicção - não retira a mancha que poem em si mesmos de ingenuidade e preguiça mental de não irem investigar a fundo o que eles próprios alegam, mas entristece. Por outros sinto alguma estranheza; nem é repulsa ou raiva, é estranheza; como podem passar o que acreditam ser um meio de libertação espiritual ou meio de contribuir para a felicidade e iluminação de alguém e fazer-se cobrar de modo a manter estilos de vida de luxo? Até entendo que cobrem- não concordo a maioria das vezes, mas entendo que pode haver vantagens em se abstraírem do mundo normal para servir uma causa ou chamamento- mas a causa ou chamamento deve ser a espiritualidade, a Luz, o bem-estar emocional, físico e espiritual de todos... Não o chamamento duma casa luxuosa, um Ferrari a porta ou viagens de luxo, sensualidade desenfreada e egocentrismo encapotado de falsa modéstia

Agora uma confissão muito pessoal que se calhar chocará ademais pelo que escrevi há pouco
Desde os 8 anos que tenho episódios menos normais ou explicáveis pela ciência como a entendemos hoje- embora para mim tudo é ciência apenas a operar sobre leis que ainda não entendo embora tão mensuráveis e reais quanto a lei da gravidade ou de campos magnéticos, da termo dinâmica, etc. Já raciocinei e raciocino tantas vezes o que me sucede desde criança mas facto é que é a minha realidade, é para mim facto assumido de que há algo mais do que consigo explicar ou (por vezes) empiricamente provar. A minha infância e juventude foram marcadas por vários episódios que poderiam pelos mais conhecedores destas coisas do misticismo ser apelidadas de paranormais. Fui sacerdote, aos 19 fui sacerdote de Melquisedeque, aos 22 fui ordenado sumo sacerdote de Melquisedeque, impus as mãos sobre centenas de pessoas- literalmente, para dar bênçãos de conforto, saúde e orientação e, quando assim sentisse, falar o que via para além do físico- fossem coisas passadas, presentes ou potenciais. Não há futuro na pedra mas há coisas mais prováveis que outras e por vezes, sim, acredito, é possível ver o que pode vir a acontecer se o presente curso de escolhas não for alterado. Sai da igreja que me formou porque aprofundei conhecimento a ponto de já encontrar mais incongruência que conseguia comportar e menos humanismo e compaixão pura do que gostaria. Sai aos 24.
Nos últimos 14 anos tenho estudado os Vedas, Puranas, Upanishads, Al Corão, cabala, livros gnósticos, Épico de Gilgamesh, Papiro de Ani, Livro de Caminhar para o Dia (nome real do Livro dos Mortos), muitos tratados de filósofos, místicos e historiadores antigos desde os mais clássicos a Plutarco, Heródoto, Plínio, Asclépio, todos os Hipocefalos que encontrei, o Popol Vuh maia, o Códex de Dresden, Escritos de jesuítas e cistercienses que coligiram a tradição oral das crenças ameríndias e Aborígenes do pacifico, o Bardo Thedol tibetano, as cronicas e mitos de Erishkigal e outros da Suméria, relatos de Júlio Cesar acerca dos celtas (eles não tinham escrita e é um risco agridoce ler o que o vencedor escreve), livros de seculo 18 e 19 de coletâneas de tradições eslavas e nórdicas (um dos meus preferidos é "The Golden Bough" que recomendo vivamente a quem quer ver como tudo se interliga e como uns emprestam a outros suas crenças ou suas repulsas), Allan Kardec, Chico Xavier, Madame Blavatsky, Aleister Crowley, John Dee,  etc.
Até li historia e proto-história, lendas de culturas e monumentos e religiões desaparecidas, culturas alegadamente iluminadas subterrâneas, astronomia, astrologia (lendo tratados de desde cerca de 500 A.C. ate a idade média), ufologia e física quântica. Movido pelo meu gosto por medicina não convencional e pelo meu estudo e gosto pela cultura europeia pré cristianização, busquei (e não foi fácil encontrar livros sérios com estudos e bibliografias) herbologia, litoterapia, reiki, etc. Busquei também obter bases de paganismo, totemismo, animismo, xamanismo, neo paganismo, Wicca, misticismo New age, 7 raios de luz, gerações de luz (crianças índigo, cristal, etc.), personalidades chave no misticismo New age (St Germain, etc.) numerologia, misticismo dos alfabetos, simbologia maçónica (essa que aprendi na igreja que frequentei na adolescência e inicio de adulto), feng shui, budismo, etc sempre com livros o mais antigos possíveis- mínimo de 150 anos, mas o ideal com bem mais. Procurei conhecer não só métodos de comunicação com o outro lado, vulgo divinação ou adivinhação, mas a sua historicidade, antiguidade, autores, buscando quem escreveu sobre isto antes e antes e antes e em que contexto, ai aprofundou um pouco mais sobre astrologia, cartas (tarot e oráculos), necromancia, I-Ching, runas, pendulo, radioestesia, necromancia, palmestria, etc.
No fim de tudo e com tanto por percorrer ainda não sei o que pensar. Não sei acerca dos caminhos- uns vejo como mais práticos outros muito como quem quer dizer o que se quer ouvir- facilitismo ideológico é um chamariz para paralisia intelectual e entorpecimento emocional e da vontade própria. Por outro lado, os episódios menos cientificamente explicáveis continuam a suceder na minha vida e a sensação de chamamento ou vocação é tão forte hoje em mim como o foi aos 8 anos de idade. Estou a tentar elaborar algo que seja uma experiencia de escape e veiculo para mim mas que seja para o beneficio real espiritual, emocional, psicológico e se possível físico dos que me rodeiam tanto quanto o meu.

 
Esta ultima parte de confissão é para que entendam que não desdenho praticantes ou ideologias, apenas acho que seremos mais livre, felizes e- a meu ver, iluminados, se quando face a algo (seja no campo emocional, psicológico ou psíquico/espiritual), formos um pouco mais inquisitivos, mais auto didatas, mais mente aberta sem dúvida alguma mas sem ceder de certas "guidelines"
1-      Um terapeuta ou sacerdote ou o que lhe chamemos pode propor escolhas difíceis, dizer algo que não entendemos no momento, magoar ate porque as vezes ser direto magoa, mas NUNCA pode ser alguém que nos prende a si nem nos faz pesar a consciência, a carteira ou a dignidade.
2-      Fazer aos outros como queremos que façam a nós- NUNCA esquecer a importância de ao seguir um caminho ou buscar por um, de apoiar todos os que nos rodeiam; sem complexo de mártir mas também sem ser agiotas ou apáticos. Se o que fazemos agora é aberrante face ao que buscamos como destino final, então não é logico, benéfico ou real
3-      O propósito de toda a criação, a meu ver, é a felicidade; se um caminho ou pessoa (incluindo nos mesmos) não esta a contribuir para a liberdade intelectual, maturidade emocional, perda de medos e complexos, se não ajuda a aumentar a auto estima e baixar o ego, se aponta mais diferenças que semelhanças entre as pessoas, se propõe divisão e preconceito e não pontes, então não é, por raiz, algo Iluminado, Bom ou Divino

 

Obrigado pela paciência em ler este pobre ignorante que tem de aprender a resumir as ideias de forma mais curta e pertinente. Bem hajam e sejam felizes :)

segunda-feira, 15 de fevereiro de 2016

A VIAJEM DA ESPIRITUALIDADE



  

Primeiro, permitam-me explicar o que isso significa para mim, porque é ou aparenta ser algo de interpretação infinita. Para mim espiritualidade é apenas para a alma ou parte vivente de mim que não a física o que o exercício físico e nutrição equilibrada pode ser para o corpo físico. Não é a espiritualidade um fim em si, mas uma forma de  conhecer, crescer, dilatar, aprender, partilhar e ser da parte de mim que não é visível mas não menos real que o meu frágil e imperfeito corpo aparente e sujeita a leis, princípios, estrutura e lógica. Antes o trovão era milagre - e ainda é para alguns, até que se compreendeu o que sucede e porquê e ai passamos a chamar de ciência. Penso que partes do que agora é rotulado de misticismo ou paranormalidade possam ser a seu tempo identificadas, rotuladas,entendidas e encaradas com a mesma certeza, empirismo  e tranquilidade como passámos a aceitar que a terra é redonda, que o sistema solar é heliocêntrico,  evolução adaptativa das espécies, física quântica ou radioactividade.

Para mim a espiritualidade é a parte practica da crença que tenho (ai sim fé ou esperança) de que há mais do que os olhos tendem a ver ou as mãos a tocar, mas não por isso sendo algo irreal, imaginado, projectado ou mistificado. Não há milagres na acepção comum do termo, apenas ciência a operar sob princípios que porque não entendemos ainda  as leis subjacentes e lógica inerente atribuímos pendor supersticioso.

Mas isto não deixa de ser algo maravilhoso. Aprendemos os princípios e leis dos corpos celestes que em harmonia produzem a rotação da terra a volta de si mesma, a rotação elíptica em volta do sol e da viagem que – condicionados pela tracção gravitacional do sol sob os planetas ao seu redor, fazemos como um sistema solar através da orla de uma galáxia, uma de muitas em constante pulsação, rotação , atracção e afastamento.  Mas não é por isso que deixo de achar um nascer do sol belo e magestoso. Conhecer o que está por detrás dum simples nascer do sol não diminuiu para mim o seu esplendor, muito pelo contrário.

 
Espiritualidade, resumindo, é para mim a busca, a eterna peregrinação por entendimento e de experimentação , tentando ter mente aberta mas não por isso descurando de auto estima, responsabilidade social e princípios de salvaguarda do bem maior, um grau saudável de cepticismo, uma auto imposição de raciocinar por mim mesmo e uma disponibilidade e elasticidade intelectual e emocional para pensar “fora da caixa”.

A minha busca levou-me a vários livros, lugares e pessoas. A razão por detrás da maioria das minhas viagens, aliás, foi precisamente em busca de essa espiritualidade, umas vezes aprofundando  crenças pilares, outras tendo servido para desmistificar “feiticeiros de Oz”, sem temer comparar histórias em suas várias versões, cruzando com história, com geologia, física, química, psicologia, etc.  A nível de livros algo que cedo aprendi foi buscar quem coloca bibliografias idóneas, buscar a biografia do autor quando possível e confrontar com o que apregoa ( para ver se practicam e crêem mesmo ou como o caso da maioria apenas falam o que acham outros querem ouvir ou lhes convém ao ego ou carteira ou sensualidade.

Entendo então que é importante não apenas ouvir ou ler palavras que sabem bem á alma, nem tampouco descartar ou esquecer o que de bom possa aprender, mas não deusificar os autores, não me arrogar mas também não me diminuir e sempre lembrar a máxima “Pelos seus frutos os conhecereis”.

Uma coisa que nos anos recentes percebi é que há uma quantidade significativa de pessoas a interrogar-se e investigar e por em causa as religiões mais dominantes (judaísmo, cristianismo e islamismo) mas talvez porque é moda raríssimas vezes vejo pessoas questionar –ou levar a bem quando se questiona, o Budismo ou qualquer forma de religião ou flosofia oriental ou as vertentes New Age, seja o paganismo, a Wicca, alegadas canalizações espirituais de entidades amiude inventadas há menos de 100 anos,  o multidimensionalismo espirita, etc . Talvez porque amiude apelam com mensagens de diferenciação , ainda que não é por um principio ou caminho ser diferente que é real ou sequer positivo e se na realidade há um grupo e esta auto rotulado então podemos estar a sair dum  rebanho para entrar num outro apenas mais pequeno. Cada vez mais comum também é misturar teologia com ficção cientifica, apelam  a ego, apresentam soluções simplicistas e frequentemente auto-desresponsabilizadores para os problemas quotidianos.  Ideologias amiúde feitas e lideradas por pessoas com formação em psicologia ou marketing. 
Eu entendo e concordo que pode haver vantagens numa pessoa que sinta a vocação de espiritualidade muito intensa se abstrair da roda do trabalho normal quotidiano e se devotar exclusivamente ao estudo e practica  e entendo que para isso não sobreviva do ar. Mas há aqui três  pontos que acho essenciais a quem quer ingressar full time num caminho de devoção espiritual : 1- não tem de cobrar para manter luxos ( a espiritualidade não tem de arrastar a fome e ignominia mas também não pode por definição ser obscenamente epicuriana); 2- Um praticante de qualquer caminho de espiritualidade que se predispõe a pôr o que sabe em practica deve faze-lo de modo a não criar vícios psicológicos ou fobias. 3- Toda a busca por espiritualidade é oca e hipócrita senão houver compaixão em palavras e em actos; parte de seu tempo, conhecimento e recursos deve reverter para o bem estar espiritual, físico e psíquico do bem maior (exemplo doar para centros de acolhimento, ser um voluntario na rua a dar cobertores, dar comida aos famintos, não descurar responsabilidades com  a própria família, etc)
 
Buscarei porque está em mim a vontade de me esticar, porque não sai da idade dos porquês, com a mente aberta mas flanqueada pelo raciocínio próprio e livre arbítrio e o coração solicito mas não submisso, a alma sedenta mas não amordaçada.
Se em suma começámos a viagem de espiritualidade em busca de conhecimento, felicidade e compaixão e nos virmos numa situação em que parámos de querer aprender, se não nos faz felizes, se não desperta em nós compaixão igual por todas as criaturas viventes (incluindo por nós mesmos), pode estar na altura de sair da carruagem e apanhar outro comboio. O que fazemos e nos tornamos pelo caminho não pode ser uma antitese do destino que ambicionamos.

Bem hajam, seja o vosso caminho pleno de oportunidades de crescer e sem nunca esquecer que o máximo que podemos esperar de nós é viver à altura do conhecimento que nos foi dado e cada dia tentar fazer crescer essa linha de entendimento por nós próprios (plágio ou cábulas podem funcionar num teste de escola mas plágio ideológico vale anulação e repetição de teste na escola da vida) sem nunca perder de vista o objectivo comum: o Amor pelo conhecimento, o Amor por si mesmo, o Amor ou Compaixão por todas as criaturas viventes… e sorriam mais, por favor, a haver divindade ou existência alem da física, é melhor encarada- e quiçá entendida, com uma saudável dose de serenidade e boa disposição.

sexta-feira, 5 de fevereiro de 2016

DEPRESSÃO 101 - SAIR DO VALE

 
Falar sobre depressão é dificil por duas razões, porque nos expõe "per se" e porque nos arriscamos a imensos conceitos errados. Depressão não é estar triste nem tampouco é ser uma pessoa triste. É tanto mais do que consigo por palavras expor. É, acima de tudo, algo que entranha sem que notemos. Uma noção de baixo valor, uma gestão de expectativas idilica, uma auto exigência impossível, uma tolerância exagerada para com o abuso (verbal, fisico, emocional) porque se primeiro reagimos com estranheza ou depois pomos um travão ou passamos a ver como norma e depois como merecido até que o vejamos como facto. A depressão não é um traço de caracter e nem é uma mera neura ou ansiedade. É, para mim, passar todas as fases da dor: Negação, Raiva, Depressão (ai sim a fase em que a tristeza começa a ser obvia mas como sintoma de algo maior), Negociar (porque tentamos enganar a nós mesmos e "compramos" tempo, adiando uma solução, enchendo os dias com pessoas, eventos e coisas para tapar o buraco da alma e amiude usando a propria auto estima como moeda de troca por um resquicio de respeito e dignidade) e Aceitação- quando finalmente entendemos que não temos episódios ou momentos, temos sintomas. Para mim incluiu ataques de pânico ao ponto de ir para o hospital 4 vezes num mês, hiperventilar ao sair de casa, agorafobia, vazio mental, dificuldade de concentração, impossibilidade de completar uma tarefa porque me esquecia do que estava a fazer e porquê (como cozinhar mas nao comer, sair para as compras e parar a meio caminho e não me lembrar onde estava ou como ali tinha chegado ou onde ia, etc), insónias brutais ou uns dias com ataques de sono subito. Também incluiu pensar tanto em suicidio que estudei o tema, métodos que fossem eficazes e limpos e que fossem menos gráficos de chocar alguem. Pensei e escrevi como distribuir meus poucos bens. Arranjei madrinha de emergências para a cadela. Comprei corda, fiz o nó, guardei. Tudo arrumado, data fixada. Foi sendo adiada por aparecerem sempre pessoas no caminho - porque Deus não dorme, que duma ou doutra forma me interrompiam a pedir algo. Passei a ver a morte por suicidio primeiro com ansiedade, depois com uma naturalidade assustadora. Passou-me essa fase. Seguiu-se uma vulnerabilidade sentimental extrema, uma sinceridade exagerada, uma sensação de obrigação de entrega completa e não saudavel que foi retribuida por quem menos esperava com engano, traição, mentira, ilusão e depois abandono com altivez. Ai doeu. Mas só bati no fundo ao perceber que o meu problema ter deixado me levar a tal, sem nada fazer senão achar que é normal e ainda pedir desculpa. O cumulo foi ver que chegara ao ponto de aceitar comportamentos inaceitáveis simplesmente porque eram correntes e porque a minha abertura era confundida com fraqueza. Tenho issues de auto estima? Sim. news flash- todos temos apenas em graus diferentes e uns admitimos e buscamos ajuda e mudamos e outros não. Passei o ano passado com muita dificuldade o que me fez vulneravel e propenso a depressão- agravada pela sociopatia e por, ainda que não maldoso per se, não justificado abuso que piorou tudo? Sim. Sabem a minha história toda? Não, como poderiam, se nem eu sei? Para ajudar a descida ao abismo da depressão  em Outubro descobri polipos no intestino. Em Novembro apanhei um susto de cancro- a ironia de ter dito em Agosto á pessoa que tinha esse pressentimento é na verdade uma farpa. Descobri que tenho afinal uma massa dubia no intestino mas que não se mexerá até dar problemas tal como o meu nervo óptico que em Novembro também percebi decaiu tanto que o glaucoma deixou de ser probabilidade para ter prazo certo para ter de ser tratado. Contei, desabafei, pedi ajuda? Não, porque deixei de acreditar que alguém se importaria. Porque pior do que não ser ouvido é ser ouvido com pena ou arrogância e por isso escolhi engolir, escolhi lidar com isso primeiro sozinho, depois com a médica, depois com psicologa e finalmente com Deus. Preferia ter podido contar a esse amigo. De tantos que nunca me fizeram dano- moral, emocional ou espiritual, era a ele que queria contar. Não o fiz. Porque se nunca acreditei que há más pessoas, entendi a dado ponto que tb não há 100% boas pessoas, que não posso aceitar tudo e rematar "mas é boa pessoa". Há uma leveza no facto de olhar para tudo isto e ainda ver nele uma centelha de luz- que insiste em não ver em si mesmo, mas uma libertação incomensurável de começar a reaprender- sem soberba ou modéstia falsa- o quão eu posso ser forte e brilhar não só por outros mas para mim mesmo. 

 

Liberto-te e liberto-me, de culpa, pena e medo. Com tantos defeitos, foi preciso cair, foi preciso sentir o frio na espinha de passar ao lado do vale da morte pela 3ªvez, foi preciso deixar tudo isto suceder até implodir e explodir para me esvaziar a mente, alma e coração num frio profundo e só para perceber finalmente aos 38anos de idade que a centelha que vejo em todos, o potencial para o bem, a força de se reinventar e reconstruir, a capacidade para cura no âmago da alma, afinal também há em mim. Passei a vida a ver noutros uma luz e a ser o espelho dessa luz para que se amassem e perdoassem e fossem felizes- mesmo se ou quando depois partiam, só para perceber agora que pintava o reverso de negro, a mim mesmo  me vestia de antitese ou na melhor das hipoteses duma capacidade inocua, valor nulo senão o medido pela utilidade para com outros e de completamente ausente beleza (fisica, emocional ou espiritual) senão na medida que impactasse positivamente na vida de outra pessoa que não eu. Sair da depressão não é muito diferente do processo de escalar- não importa em que altitude estejamos, importa saber ONDE estamos, onde assentam os pés finalmente firmes e recomeçar a partir do ponto em que fomos genuinamente felizes, livres, sem complexos, sem vergonha ou pena de nos mesmos, quando percebiamos que podemos respeitar todos e amar todos sem por em causa a nossa integridade fisica, moral, emocional e espiritual.Não estou no topo, nem mesmo sei se estou a meio caminho. Não me importa, porque não estou nem parado, a derrapar ou a dar um salto para a frente e dois trambolhões para trás. Estou livre, estou a caminhar e estou bem.Ainda tenho momentos de ansiedade, a agorafobia não se esvaneceu, ainda tenho brancas (o que prosaicamente chamo de peidos mentais), ainda procuro o que quero "ser quando for grande", mas agora pelo menos já tirei os oculos escuros da ilusão e expectativas toldadas pelo medo e começo a usar as mesmas ferramentas que empunhei por outros para o meu próprio crescimento. O não ter ficado amargo, o não ter cedido á fase de ira, rejeição/negação ou culpa, o estar bem o suficiente para falar disto abertamente e com a convicção de estar a crescer e mudar hábitos, escolhas e perspectivas sem com isso perder os valores mais positivos que me incutiram e que guardo na alma, é em si uma vitória e faz de mim hoje menos triste por ontem, menos confuso por hoje e menos ansioso ou temeroso pelo amanhã. Não tenham pena ou medo se alguém um dia vos pedir ajuda, não fujam de pedir ajuda vocês mesmos, não vejam na depressão um traço de caracter porque o não é é uma condição de saúde temporária como uma gripe trata-se com medicamentos e falando sobre isso- não se pega, não define quem a pessoa é (embora temporariamente iluda do que não é) e, por favor, não abandonem quem vocês percebem precisa de ajuda porque é dificil. É ai que se precisa de um amigo, nao tanto com palavras sabias ou ouvidos pacientes mas mais para mostrar que há mais e melhor fora do redemoinho temporário depressivo. Mas se escolherem fugir, se quiserem se convencer que é "más energias" e "má onda" uma pessoa passar uma depressão, não se convençam de que estão a rodear-se de luz e positivismo, estão a vestir-se de medo, estão a fugir do que pode se revelar ser uma oportunidade para o VOSSO proprio crescimento e a deixar alguém que já se acha pouco a lutar por si só contra si mesma até que colapse e ou desiste de lutar ou reaprende a canalizar os seus esforços. Tentar e falhar, tentar e não aguentar, tentar e sair porque não querem nossa ajuda é uma coisa...mas fugir e querer acreditar que é certo só porque é confortavel e seguro...bem ai podem ter vocês mesmos algo para falar e tratar. E eu ainda estarei aqui para vos ouvir e abraçar, eu ainda estou aqui para te ouvir e abraçar, porque agora ouço e abraço a mim mesmo primeiro e sei aquilo por que podes estar a passar. Bem hajam pela paciência em me ler e tenham um ótimo dia.