sexta-feira, 4 de março de 2016

A DIMENSÃO ESPIRITUAL DA DEPRESSÃO




      Este é um tema que se calhar alguns vão torcer o nariz. Na minha própria família as vozes são muitas a dizer que psicologia não é ciência e que espiritualidade é um manto de conforto do ego.
     Como um ex sacerdote e um ávido estudante multidisciplinar, discordo de ambas frases. Ainda que entenda que por vezes a psicologia é aplicada como se fosse uma equação simples quando tem múltiplas constantes e variáveis- nada nem ninguém é unidimensional ou de leitura simples e direta por um só factor - isso é preconceito não psicologia.
     Quanto a espiritualidade, para mim, é uma busca incessante pelo Divino, pelo conhecimento, companhia e emulação das qualidades que cremos nos farão felizes, mais em paz connosco e com os outros e uma mais-valia para o bem comum. Isto, de forma alguma, é um processo de conforto, exige ginástica mental, uma perpetua mas estranhamente serena inquietude, uma adaptabilidade sem prescindir da faceta inquisitiva.
A razão de falar destes dois pontos é porque enquanto alguém a recuperar dum colapso nervoso, encontro-me na fase de nem ter tristeza ou pensamentos taciturnos, apenas uma estranha apatia. Seja por coisas simples como comer, dormir, a coisas mais complexas e de distração como filmes, musica, livros, mas também passando pela ausência de paixão com uma quase sensação de assexualidade.
     Há um ponto na depressão e colapso nervoso em que cataclismo é a palavra certa, há dias em que saio e a meio caminho de algum lado me esqueço como ali cheguei, onde estou e o que ia fazer ou por exemplo demorar muito tempo a processar informação básica de segurança, de entender um semáforo ou de ler um preço. Não me tornei cego, iletrado ou estupido do dia para a noite. A informação entra, é processada, mas não devolve resultado imediato.
     A sensação que tenho é a de estar a vivenciar um cataclismo de caos na mente e ao sintonizar a rádio do bom senso empírico e logico assim como a sensibilidade espiritual, só ouvir estática. Sei com todo o meu ser que há algo e que está a tentar me indicar algo mas é como se tivesse ficado surdo ou perdido o botão de sintonização e fiquei preso na estática. As instruções estão a ser dadas eu é que não as estou a entender, de todo.
     Isto para dizer que na minha incompleta, falível, ignorante opinião, acredito que parte de depressão- certamente no meu caso, não é só um desequilíbrio químico no cérebro ou conceitos erróneos enraizados no subconsciente, mas uma parte da mim, da alma, que se está a dividir. Parte de mim é como se nem cá mais estivesse e a sensação nem é tristeza é um vazio ou eco que tenho dificuldade em encontrar a fonte. Como se tivesse sido chamado tanta vez para outro lado e outras coisas que a dado ponto parte de mim já não está em mim, uma sensação extrema e no meu caso aqui e agora quase paralisante (mental, emocional e por vezes fisicamente) de o meu corpo estar no lugar errado, de ter virado numa "esquina" errada e estar cada vez mais longe de onde deveria estar.
     Penso, possivelmente errado bem sei, se depressão não é às vezes a pessoa que somos aqui e agora a atingir um cúmulo de possibilidades e incompletissitude por não estarmos a seguir um outro rumo de escolhas que levar à pessoa que deveríamos ser.
     Tendo tido alguma experiência no campo da espiritualidade e tendo passado por vários episódios que por mais céptico e racionalista que me tenha tornado não consigo justificar, vejo esta apatia, este presente frio e surdez com apreensão. Cheguei eu a um ponto tão oposto ao que deveria ser que me tornei estanque? Terei criado tantas barreiras subconscientes por medo de rejeição, por uma imagem distorcida de valor próprio, por necessidade de controlo de contexto como meio de segurança que me tornei surdo do bom senso, cínico do que sei ser real e colocado um muro onde antes me foi levantado um Véu?
     E se sim, o que será preciso para acordar-me se nem eu mesmo sei? É difícil encontrar a porta de saída quando estamos às escuras e nos esquecemos de onde pusemos a vela...
     Entendo agora melhor que nunca que por vezes a obstinação, o empedrecimento de um caracter, o esfriar de um coração e cacofonia espiritual não advém nem de súbito nem necessariamente por vontade consciente. Às vezes é sub-reptício e como consequência duma cadeia de eventos e escolhas em que escolhemos o que é seguro em vez do que sabemos ser certo, em que buscamos encaixar a nossa personalidade na visão que outros têm de nós ou do que acham que deveríamos ser. Um misto de vergonha e ingratidão permeiam-me e, ainda que não me paralisando de culpa ou confusão "per se", levam-me a perguntar a mim mesmo: O que é que o meu coração, a minha alma no seu mais profundo, me está a tentar dizer que eu ainda não entendi?

Parte de mim sabe uma pequena parte da resposta mas admito, tenho medo. Estupidamente, vergonhosamente, duma forma como não o era toda a minha vida até um par de anos atrás, tenho medo de ser eu mesmo. Parte por abuso verbal e mental externo que estranhei mas deixei entranhar até acreditar, parte por ter cedido a pressão duma máquina de apatia e mecanização das emoções a que chamamos sociedade em que me tornei como que num hamster que corre desenfreada e estupidamente na sua rodinha por um pedaço ínfimo e queijo no outro lado da grade quando a porta entretanto já foi aberta mas não soube "formatar" o condicionamento de viver para sobreviver, para pagar contas, picar ponto, servir, perdoar e permitir tudo porque assim não magoo nada nem ninguém...menos a mim mesmo.
Por isso aqui estou as 6h00 da manhã, tendo chegado a casa perto das 4h depois duma noite de excelente companhia de 2 bons amigos e uma nova amiga em que falamos de espiritualidade e fizemos alguns procedimentos em que sempre, MAS MESMO SEMPRE, tudo o que vinha no meu sentido eram palavras-chicote (como quando ouvimos verdades dificeis mas que precisamos de as ouvir) fosse de quem não em conhecia diretamente ou pelos processos usados. Sinto alguma validação, como se parte do meu coração me estivesse a sussurrar, ainda não livre mas algo mais leve "Eu tinha-te avisado, já tínhamos falado sobre isto..."

Mas isto também é crescer e partilho mesmo que saiba que alguns possam achar que é over share, primeiro porque tenho o instinto de o partilhar e calei os meus instintos erradamente por muito tempo e segundo porque espero que se alguém ler e se identificar e com isso contribuir para o bem, acreditem, far-me-á muitíssimo feliz - e não preciso de o saber agora nem amanhã.
Há acasos, coincidências, sorte? Não sei, talvez, as vezes, enquanto não vemos "the big picture". A minha experiência e conclusão são de que coincidências são uma forma de anonimato dum conjunto de fatores e entidades que nem sempre é doce, fácil ou compreensível mas sempre tem um sentido. Não me refiro às maldades que fazemos uns aos outros ou à morte prematura de alguém ou algo assim, mas ao timing, o enquadramento geral em que sucede o que nós por livre arbítrio individual despoletamos. As coisas não ME acontecem, as coisas acontecem, e eu serei um produto do meu contexto tanto quanto de como escolho encará-lo.
Onde quer que estejam, qual seja o vosso contexto, espero que estejam bem, que se a vossa mente e coração tem caminhado como o meu por lugares sombrios e frios, acreditem e, como estou a tentar, se levantem, arregacem as mangas e trabalhem para sair desse túnel - porque nem todos tuneis têm uma luz ao fundo, escavemos uma saída, encontremos a vela e sigamos para ser o que devíamos ser, o que podemos ser, o que queremos merecer ser: felizes, iluminados, uteis, plenos, livres. Bem hajam e abençoado seja o vosso dia por esta singela paciência e cumplicidade de "me ler". Sejam felizes :)

 

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