Este é um tema que se calhar alguns vão torcer o nariz. Na
minha própria família as vozes são muitas a dizer que psicologia não é ciência
e que espiritualidade é um manto de conforto do ego.
Como um ex sacerdote e um ávido estudante multidisciplinar,
discordo de ambas frases. Ainda que entenda que por vezes a psicologia é
aplicada como se fosse uma equação simples quando tem múltiplas constantes e
variáveis- nada nem ninguém é unidimensional ou de leitura simples e direta por
um só factor - isso é preconceito não psicologia.
Quanto a espiritualidade, para mim, é uma busca incessante
pelo Divino, pelo conhecimento, companhia e emulação das qualidades que cremos
nos farão felizes, mais em paz connosco e com os outros e uma mais-valia para o
bem comum. Isto, de forma alguma, é um processo de conforto, exige ginástica
mental, uma perpetua mas estranhamente serena inquietude, uma adaptabilidade
sem prescindir da faceta inquisitiva.
A razão de falar destes dois pontos é porque enquanto alguém
a recuperar dum colapso nervoso, encontro-me na fase de nem ter tristeza ou
pensamentos taciturnos, apenas uma estranha apatia. Seja por coisas simples
como comer, dormir, a coisas mais complexas e de distração como filmes, musica,
livros, mas também passando pela ausência de paixão com uma quase sensação de
assexualidade.
Há um ponto na depressão e
colapso nervoso em que cataclismo é a palavra certa, há dias em que saio e a
meio caminho de algum lado me esqueço como ali cheguei, onde estou e o que ia
fazer ou por exemplo demorar muito tempo a processar informação básica de
segurança, de entender um semáforo ou de ler um preço. Não me tornei cego,
iletrado ou estupido do dia para a noite. A informação entra, é processada, mas
não devolve resultado imediato.
A sensação que tenho é a de estar a vivenciar um cataclismo
de caos na mente e ao sintonizar a rádio do bom senso empírico e logico assim
como a sensibilidade espiritual, só ouvir estática. Sei com todo o meu ser que
há algo e que está a tentar me indicar algo mas é como se tivesse ficado surdo
ou perdido o botão de sintonização e fiquei preso na estática. As instruções
estão a ser dadas eu é que não as estou a entender, de todo.
Isto para dizer que na minha incompleta, falível, ignorante
opinião, acredito que parte de depressão- certamente no meu caso, não é só um desequilíbrio
químico no cérebro ou conceitos erróneos enraizados no subconsciente, mas uma
parte da mim, da alma, que se está a dividir. Parte de mim é como se nem cá
mais estivesse e a sensação nem é tristeza é um vazio ou eco que tenho
dificuldade em encontrar a fonte. Como se tivesse sido chamado tanta vez para
outro lado e outras coisas que a dado ponto parte de mim já não está em mim,
uma sensação extrema e no meu caso aqui e agora quase paralisante (mental,
emocional e por vezes fisicamente) de o meu corpo estar no lugar errado, de ter
virado numa "esquina" errada e estar cada vez mais longe de onde
deveria estar.
Penso, possivelmente errado bem sei, se depressão não é às
vezes a pessoa que somos aqui e agora a atingir um cúmulo de possibilidades e
incompletissitude por não estarmos a seguir um outro rumo de escolhas que levar
à pessoa que deveríamos ser.
Tendo tido alguma experiência no campo da espiritualidade e
tendo passado por vários episódios que por mais céptico e racionalista que me
tenha tornado não consigo justificar, vejo esta apatia, este presente frio e
surdez com apreensão. Cheguei eu a um ponto tão oposto ao que
deveria ser que me tornei estanque? Terei criado tantas barreiras
subconscientes por medo de rejeição, por uma imagem distorcida de valor
próprio, por necessidade de controlo de contexto como meio de segurança que me
tornei surdo do bom senso, cínico do que sei ser real e colocado um muro onde
antes me foi levantado um Véu?
E se sim, o que será preciso para acordar-me se nem eu mesmo
sei? É difícil encontrar a porta de saída quando estamos às escuras e nos
esquecemos de onde pusemos a vela...
Entendo agora melhor que nunca que por vezes a obstinação, o
empedrecimento de um caracter, o esfriar de um coração e cacofonia espiritual
não advém nem de súbito nem necessariamente por vontade consciente. Às vezes é sub-reptício
e como consequência duma cadeia de eventos e escolhas em que escolhemos o que é
seguro em vez do que sabemos ser certo, em que buscamos encaixar a nossa
personalidade na visão que outros têm de nós ou do que acham que deveríamos
ser. Um misto de vergonha e ingratidão permeiam-me e, ainda que não me
paralisando de culpa ou confusão "per se", levam-me a perguntar a mim
mesmo: O que é que o meu coração, a minha alma no seu mais profundo, me está a
tentar dizer que eu ainda não entendi?
Parte de mim sabe uma pequena parte da resposta mas admito,
tenho medo. Estupidamente, vergonhosamente, duma forma como não o era toda a
minha vida até um par de anos atrás, tenho medo de ser eu mesmo. Parte por
abuso verbal e mental externo que estranhei mas deixei entranhar até acreditar,
parte por ter cedido a pressão duma máquina de apatia e mecanização das emoções
a que chamamos sociedade em que me tornei como que num hamster que corre
desenfreada e estupidamente na sua rodinha por um pedaço ínfimo e queijo no
outro lado da grade quando a porta entretanto já foi aberta mas não soube
"formatar" o condicionamento de viver para sobreviver, para pagar
contas, picar ponto, servir, perdoar e permitir tudo porque assim não magoo
nada nem ninguém...menos a mim mesmo.
Por isso aqui estou as 6h00 da manhã, tendo chegado a casa
perto das 4h depois duma noite de excelente companhia de 2 bons amigos e uma
nova amiga em que falamos de espiritualidade e fizemos alguns procedimentos em
que sempre, MAS MESMO SEMPRE, tudo o que vinha no meu sentido eram
palavras-chicote (como quando ouvimos verdades dificeis mas que precisamos de as ouvir) fosse de quem não em conhecia diretamente ou pelos processos
usados. Sinto alguma validação, como se parte do meu coração me estivesse a sussurrar,
ainda não livre mas algo mais leve "Eu tinha-te avisado, já tínhamos
falado sobre isto..."
Mas isto também é crescer e partilho mesmo que saiba que
alguns possam achar que é over share, primeiro porque tenho o instinto de o
partilhar e calei os meus instintos erradamente por muito tempo e segundo
porque espero que se alguém ler e se identificar e com isso contribuir para o
bem, acreditem, far-me-á muitíssimo feliz - e não preciso de o saber agora nem
amanhã.
Há acasos, coincidências, sorte? Não sei, talvez, as vezes,
enquanto não vemos "the big picture". A minha experiência e conclusão
são de que coincidências são uma forma de anonimato dum conjunto de fatores e
entidades que nem sempre é doce, fácil ou compreensível mas sempre tem um
sentido. Não me refiro às maldades que fazemos uns aos outros ou à morte
prematura de alguém ou algo assim, mas ao timing, o enquadramento geral em que
sucede o que nós por livre arbítrio individual despoletamos. As coisas não ME
acontecem, as coisas acontecem, e eu serei um produto do meu contexto tanto
quanto de como escolho encará-lo.
Onde quer que estejam, qual seja o vosso contexto, espero
que estejam bem, que se a vossa mente e coração tem caminhado como o meu por
lugares sombrios e frios, acreditem e, como estou a tentar, se levantem, arregacem
as mangas e trabalhem para sair desse túnel - porque nem todos tuneis têm uma
luz ao fundo, escavemos uma saída, encontremos a vela e sigamos para ser o que devíamos
ser, o que podemos ser, o que queremos merecer ser: felizes, iluminados, uteis,
plenos, livres. Bem hajam e abençoado seja o vosso dia por esta singela paciência
e cumplicidade de "me ler". Sejam felizes :)
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