quarta-feira, 23 de abril de 2014

Da Fé e do Amor


Uma das questões que me tem acompanhado e  dominado a vida, mais que quase qualquer outra coisa, é a busca pelo Divino. Seja "isso" o que for, quem for.
Aos 11 comecei a ler a Biblia, li os Vedas (tenho familia indiana), varios livros de diferentes denominações cristãs, li livros sobre budismo, islão, judaismo, sufismo, magia (não neo paganismo mas autores como Eliphas Levi, Agrippa, etc) e pude atraves dos meus avos falar com pessoas de variadas crenças.
Aos 14 anos , dia 19 de Maio de 1992, comecei uma viagem de 10 anos, sendo batizado a 27 de Junho de 1992, mais tarde ordenado ao sacerdócio,servido como lider de congregação e muitas outras funções e eventualmente membro do conselho de 12 que entre outras coisas avaliava as questoes disciplinares mais serias que por vezes surgiam.
Foi nesse mesmo conselho, numa reunião de Sábado, dia 7 de Julho de 2001, a cerca de um mês de fazer 24 anos - depois de ter falado em privado com o nosso lider e meu amigo, levantei-me e disse algo semelhante a isto:
"Lamento informar mas devo sair deste conselho e proponho que me excomunguem. Primeiro tenho diferenças por agora insanaveis de teor filosofico e teologico que nao consigo conciliar com a voz da igreja e , modestia a parte, não adianta me mostrar uma ou mil escrituras, conheço-as e conhecem-me bem suficiente para saber que sou capaz de as rebater e debater e dissecar rapida e incontestavelmente. No fim do dia, nao entrei pelas pessoas nem pelo que esta escrito mas pelo que senti e é esse sentimento que já nao aqui encontro. Segundo, embora nao tenha agido com base nesses sentimentos, sou homossexual e depois de muita leitura, muita oração e muito jejum (cheguei a jejuar 24 horas seguidas- sem sequer àgua, todos os domingos durante 4 meses) não consigo acreditar que seja pecado querer so amar e ser amado. Não é a carne que me chama, é o coração, é a consciencia."
Dois dos membros do conselho e o patriarca começaram, acto continuo, a chorar. Um disse que nao se excomunga uma pessoa por ser homossexual ou por ter uma crise de fé. Eu puxei das escrituras e debati que o grau de sacerdócio que detinha, as promessas, os votos que fiz, eram serios demais para agir de outra forma. E se eu estiver errado de facto? E se daqui a uns tempos quiser voltar em pleno, como limparia a consciencia? Como poderia ser livre e - se eu estiver errado e a igreja e sua doutrina forem as correctas, por a prova os meus sentimentos e pensamentos sem insultar e magoar o meu Pai Celestial e ser um hipocrita face aos convênios que fiz?
A excomunhão é o levantar duma benção, mas não é uma maldição. É o suspender dum convenio, duma espada sobre a minha cabeça. Se estiver certo, não ha nada a temer. Se estiver errado, as minhas exploraçoes, fisicas e as teologicas, serão uma bofetada de ingratidão na cara de Deus em quem ainda e sempre acreditarei e sempre quis ter por Amigo.
O lider levanta-se, inclina-se e abraça-me e so diz: "Se Cristo te ama, quem somos nós para fazer o contrário?" Garantiu que seriam fieis a letra da lei e assegurou que fosse qual fosse a decisao era sempre um irmao, sempre um amigo e sempre bem vindo.
Ate hoje, esta palavra foi sempre e repetidamente cumprida. Por isto também, devo gratidao e respeito a estas pessoas.

Não foi de animo leve que entrei numa igreja e fiz as promessas e votos que fiz, não foi em vão que sai. Segui o meu coração, tentei não ser impulsivo mas tambem nao estrangular as minhas paixoes. Um sentimento estrangulado afecta todo um ser. Devemos confrontar os nossos sentimentos, os bons e os menos bons, arrazoar, pesar, pensar, calcular o impacto na nossa vida e na dos que nos rodeiam. Se a decisão afecta o caminho que percorremos, seja religioso, ideologico, politico, medidas as consequencias, há mais a temer de cair em hipocrisia que da sensação isoladora de nos sentirmos sós. Vale mais uma solidão honrada que uma companhia indesejada ou construida em mentiras.

Continuo a acreditar em Deus com todo o meu coração, continuo a buscá-lo/la, leio, ouço, medito, oro, busco, raciocino e tento ouvir e seguir o que sinto ser, na minha limitada esfera de conhecimento e imperfeiçoes tantas, o caminho correcto aqui e agora.

Ainda tenho tantas questoes, tenho saudades da sensação de utilidade que tinha, a sensação de apoio moral e carinho genuino que por mais que goste nao posso deixar que seja uma muleta emocional nem uma moeda de troca pela tranquilidade e coerencia.

Continuarei esta busca enquanto houver um sopro de vida em mim; se a dado momento desta peregrinação notar que fiz 360º, não me preocupa o que dirão os que nestes anos me conheceram, os que possam ficar espantados ou achar estranho. O que fiz, o que disse, foi sempre com sinceridade para comigo mesmo e para com o Deus idealizado no meu coração- um ser, talvez um Pai ou Mãe Divino, que nos criou, que nos ama, que conquanto tenha a capacidade de sentir ódio não o sente, mas antes mágoa. Um Deus que não castiga por ser diferente quando o coração é sincero e tenta fazer o que pode ameio a imperfeiçao e barulho dum mundo louco e apressado. Por muito que tenha passado e passe, acredito , como disse o inadvertido poeta ao escrever/rasgar na parede em Auschwitz antes d ir para o que sabia ser a sua morte certa:
"Acredito no sol, mesmo quando não brilha, acredito. Acredito no amor, mesmo quando o não sinto, acredito. Acredito em Deus, mesmo quando Deus esta silencioso, eu acredito"

Desde então estudei hinduismo, islão, cabala, budismo, neo paganismo, wicca, astrologia, numerologia, não sei quantas "logias" mais  e dentro de cada as suas variadas interpretações, assim como argumentos nihilistas e ateus/ateistas,  e a procura continua.

Por ora, sinto-me num enclave. Demasiado convicto de que a homossexualidade não é "per se" uma ofensa  a Deus para me integrar numa igreja; por outro lado, com uma componente espiritual e paixão por conhecimento e aproximação de Divindade que me torna aberração em quase qualquer meio e certamente entre a maioria dos homossexuais que encontrei ao longo destes 12 anos. Para uns como eu amo é uma razão de pena, para outros acreditar em Deus parece tambem o ser pois acham que devo ser menos inteligente ou menos emocionalmente corajoso para carecer muletas emocionais e amigos imaginários.

Mas não cedo pela aceitação seja de quem for; amar e crer são coisas demasiado profundas, viscerais diria, para por em causa por algo tão efemero e oco como aceitação de pares dum ou outro grupo social.

Por vezes nao sei se a minha estranheza é teimosia, mas por isso mesmo não paro de ler, de ouvir, de debater, de a cada resposta obtida a contrapor com mais questoes. Esta busca, este não baixar os braços, esta vontade de me entender tanto quanto o conceito de Divino, define-me e agir de outro modo- mesmo que assegurasse a companhia de muitos ou o companheirismo de um especial, não me satisfaria pois ao fim do dia todos tiramos a mascara. Quero me deitar de bem comigo mesmo, de bem com Deus, de bem com quem me rodeia - tentar.

Onde esta estrada me leva, eu não sei; não posso pedir muita ajuda e nao a posso dar porque estamos todos no mesmo barco. Mas quero poder me deitar em paz, sair de casa e saber que se algo nesse dia suceder para encurtar a minha viagem deste lado, ao passar o véu, com a vergonha de todas as minhas imperfeições, não deixarei de me sentir limpo de falsidade, não deixarei de ser "impertinente"e mesmo de joelho dobrado não evitarei levantar o queixo e olhos para cima.
 Nesse dia, que espero ainda venha longe, que atravesse o Véu, certamente muito aprenderei e provavelmente muito chorarei por coisas feitas, coisas que nao me atrevi a fazer e dizer mas que deveria pelo bem de mim e dos que me rodeiam. Nesse dia no horizonte,por razoes que não são secretas mas apenas sagradas demais para expor a quem quer que seja ate noutra margem nos encontrarmos, não saberei então melhor ou mais profundamente do que sei agora de que existe de facto uma entidade Divina, que é não uma personagem ficticia produzida pela psike faminta de conforto ou uma lenda de embalar, mas um ser real, sábio/a, poderoso/a, origem de actos, antevisões e episodios que vivi e que as leis conhecidas da presente ciência não pode explicar. Sei também que é possivel amar sem ser amado, amar alguem de tal forma que mesmo quando os caminhos não se cruzam, nunca deixamos de lhes desejar bem e de lhes enviar um pensamento positivo, um abraço, um ouvido sempre que seja preciso sem que seja esperar pela requisição.Quem crê- mesmo no silêncio aparente, quem ama- mesmo que não percepcione ser amado, nunca dá dum cesto vazio.

A fé, assim como o amor, na minha opinião imperfeita, falivel e susceptivel de mudança face a progressivo raciocinio, não é nunca- na sua acepção mais saudável e eficaz, nem canibalista nem parasitaria; deve ser autotrofica e transversal a todas as dimensoes que compoem o ser. Fe sem raciocinio, Amor sem respeito, Crença sem auto identidade e perpetuo questionar das coisas, Amor em "piloto automatico" ou como mera masturbação do ego- isto sim, esvazia a alma. Dar, amar, crer, buscar, crescer para manter a persistencia dos "porquês"? Esses não dão dum saco vazio, nem com isso se esvaziam, apenas se ramificam, abraçam cada vez mais longe e fundo no tecido da Vida, da realização emocional e intelectual e da Iluminação espiritual.

Não tenhamos pena nem medo nem asco de quem ama ou crê de forma diferente; tenhamos compaixão por quem não se ama nem se atreve a amar, tenhamos atenção por quem vende o seu individualismo e saude emocional e independencia em troca de aceitação duma pessoa ou grupo, tenhamos abertura para aceitar o facto de que ninguem pode nem deve julgar- positiva ou negativamente, seja a quem for (nem a si mesmo), por crença, cor de pele, politica, genero, idade, orientação sexual ou aparencia. Cada homem e mulher, cada alma, vale o que faz, o que escolhe ser e fazer por si e pelo bem comum. Para citar um rapaz que acho bastante sábio e compassivo, ja de há alguns anos atras, com uma vida muito dificil e muito pouco conhecida e menos ainda emulada: "Pelos seus frutos os conhecereis." Aplica-se a quem nos rodeia, a escolhas e caminhos diante de nós, a organizaçoes, a nós mesmos.

domingo, 13 de abril de 2014

Dignidade e Ambiente de Trabalho


Na Avenida de Roma em Lisboa, uma pastelaria tem 4 funcionarios, os quatro teem contrato de trabalho de 4 horas. Custaria o mesmo à empresa pagar 2 funcionarios a 8 horas? Não, assim nao teem de dar subsidio  de alimentação, não se gasta em contribuições de irs nem segurança social por ser pagamento abaixo do salario minimo e ganha-se uma força de manobra tremenda para pressionar funcionários a fazer todos os dias cerca de 30minuos por dia e não protestar pois o que não falta é gente desesperada para aceitar nem que seja 220€, maus tratos verbais e horas extra não pagas. O patrão após um ano e meio de abrir o negocio vai abrir mais dois este ano- ao mesmo tempo em mais 2 locais.

Na maioria das empresas de trabalho temporário (vulgo ett's) neste momento procura-se trabalhadores para trabalhos part-time, vagas aos pares para 4 a 5 horas- a mesma questão de preferirem assim para poder pagar menos e ser mais facil a rotatividade ou despedimento. Na maioria das ett's ha formulários onde se pergunta não só o normal requerido mas- ao mesmo tempo em que ninguém me perguntou em 5 empresas, pelo meu curriculo, habilitações literarias ou experiencia de trabalho, mas todas perguntaram: Se tenho filhos, Quantos e que idade teem, quantos dependentes tenho e numa ett ate perguntaram se tenho casa propria ou alugada(!).
Ao indagar o porquê de tal, foi-me negada qualquer explicação excepto por uma das empresas de recrutamento, que me disse que era caso fosse aceite para ser mais facil calcular o IRS. É obvio, e eu disse, que não é factual- quem declara o IRS é o próprio trabalhador. Todos os anos - mesmo com o sistema informatizado, tenho de voltar a colocar a cada ano se tenho dependentes ou não, se ainda estou solteiro, etc. É uma clarissima forma de preconceito, de filtrar quem tem filhos pequenos- pois avaliam-se como menos produtivos e menos maleaveis e ao mesmo tempo mais chantageaveis pois teem mais a perder, quem tem contas a pagar de casa propria, etc etc. Coisas que nada implicarao na performance e não são directo reflexo de beneficio ou prejuizo a empresa.
Ironicamente, nenhum outro pais na U.E. pergunta nada disto e em a maioria dos paises nórdicos é mesmo ilegal- assim como nos E.U.A. e no Brasil, colocar muitas das perguntas e propostas que se fazem nas entrevistas em Portugal- e isto inclui as que as empresas de trabalho temporário fazem em nome de outrém.

Na restauração as vagas vão sendo, poucas, de part-time ou se de tempo inteiro a pagar 485€ e sem subsidio de alimentação- quer o funcionário goste ou não e mesmo que seja uma pastelaria (onde por defeito não há confeção de refeições), tem que se aceitar. E mesmo assim cada vez vejo mais abuso verbal e emocional nestes ulgares. A proxima vez que forem a um café vejam a tensão nos olhos dos funcionários, o à vontade de dar ordens, os gritos, os comentarios depreciativos que gerentes fazem aos empregados e entre eles à frente dos clientes. 

Nas telecomunicações, um dos sectores com maior contratação neste momento, quando é vendas ou não ha salario base ou é decerca de 200€. Entendo e concordo com planos comissionais mas dar uma base tão imoralmente baixa é fomentar uma competitividade nao saudavel, um stress inevitavel que vão levar para casa e uma atitude pouco honesta no trabalho, pois se ganham 200€ acham que vão pensar duas vezes em enganar um idoso ao telefone para comprar um cartão de credito, colchão ou internet de 200Mb que nunca vai usar? Onde fica a moral se temos a barriga vazia e casa para pagar?

Ainda nas telecomunicações, a empresa mais forte do mercado paga salario minimo a pouco mais de 80% dos seus funcionarios ( e são milhares deles)- uns com planos de comissoes ou premios de produtividade (manipulados por formulas desenhadas a puxar pelas metas de forma a serem cada vez mais inalcançaveis) quando ao mesmo tempo o ordenado médio de membros da direcção é de 1 milhão de euros por mês (há 4 dos membros do conselho na lista da Forbes há 5 anos consecutivos), os líderes (ou é chefes?) que fomentam discordia entre as equipas- ainda que isso signifique perder produtividade e como tal dinheiro para eles proprios tanto quanto para empresa e trabalhador subordinado (mas enebriados num status ilusorio), são quem permanece mais tempo na sua posição, conquanto com testes complexos para acesso a cargos de liderança as 3 maiores notas de sempre que resultaram também em bons desempenhos quando efectivamente em funções, estiveram muito pouco tempo no lugar- incomodavam demais por chocar os seus pares ao mostrar que se fazia mais e melhor ao tratar as pessoas com dignidade. O controlo de qualidade, antes um mecanismo que se regia por regras estabelecidas que embora não perfeitas mas funcionava, agora obriga auditores a que tenham de dar pelo menos 10% de avaliações com a nota zero- quer o trabalhador alvo de auditoria o mereça ou não. A opção é simples, o auditor perde direito de premio (mesmo que tivesse ultrapassado metas de produtividade e de qualidade), fica na calha de despedimento e alguem se sentara a seu lado com um cronometro e um bloco de notas (isto não é uma metafora, é mesmo assim).

Mudam-se palavras e os seus significados, no ambito de entrevistas de trabalho e no dia a dia dos mesmos. "Procura-se pessoa para fazer inqueritos" significa vendas porta a porta , comissão ailciante é traduzido por base de 150€ e uma média de 4€ por cada contrato novo. "Procuram-se funcionários simpaticos"- mas o que é que haveriam de querer , mal educados (?). Não, o que se pretende e vê na entrevista é que se quer alguém com muita maleabilidade horaria, disposta a trabalhar com muito stress e muito pouco dinheiro; a parte de simpatico deveria ler subserviente e acomodado e ainda sempre com sorriso nos labios, como que de gratidão por ter o direito a ser explorado.


Dignidade no trabalho é acima de tudo honestidade; nunca esperei, quis ou beneficiei- nem pratiquei, palmadinhas nas costas ou elogios vaos; um trabalho é um trabalho não uma irmandade. Há metas e exigencias e expectativas- mas é de parte a parte. Numeros sao importantes claro, a nivel macro é preciso saber avaliar as coisas para ver o rumo geral. Mas se não olharmos para os numeros e tarefas e neles virmos proposito, se não virmos caras e personalidades, não estaremos apenas a ser desumanos estaremos a ser tolos.
Um funcionario que nunca fazia os testes semanais de avaliação tecnica, que chegava atrasado 3 a 4 vezes por semana, tinha uma prestação baixa- embora muito mais conhecedor da matéria que muitos (eu incluido), demorava mais tempo que devia nas suas pausas, estava cada vez mais desencorajado e o unico estimulo que tinha era ocasionalmente alguem o chamar indirectamente de tolo, preguiçoso, gritar com ele, "the usual". Porque o conhecia, porque me esforcei para o conhecer, quando esteve na minha equipa, estudei na internet alguns termos e videos de surf (really:P), fiz um calculo de quanto ganha por minuto e quando (aos centimos) perdia com a produção dele. Sentei com ele, mostrei os euros que ele custava a empresa por chegar atrasado, mostrei o que ele podia estar a  ganhar com muito pouco esforço, mostrei os preços de artigos que ele quer comprar mas que agora nao podia porque sem premio nao tem dinheiro para tal,  mostrei o meu relatorio sobre o seu trabalho e as provas- factos, casos especificos de sucesso dele proprio, em que ficou claro que ele sabia muito mais do que os testes que ele evitava fazer, fiz umas comparações simples (sou muito ignorante de desportos) com surf, uma analogia com o mar e as ondas. Negociei as pausas- se o que ele precisa para trabalhar bem é uma pausa ocasional, porque não em vez de demorar muito numa, fazer duas. Se chegar atrasado ou se se demorar mais do que deve nas pausas- a percentagem de tempo é directamente a percentagem de produtividade que quero ver aumentada na sua performance. Se sinceramente ele acha que precisa de parar mais 4% do tempo de trabalho para respirar, se é isso que o vai ajudar a acalmar e voltar ao trabalho com mais energia e disponibiildade, porque não? A conversa durou 30 minutos, depois levei-o a um café ao lado para ele ter a sua pausa (uma formação não é uma pausa) para pensar nisso.
Nos 3 meses seguintes (altura em que fiz a sua avaliação trimestral e lhe apresentei com muita satisfação propria e dele; mesmo que mensalmente lhe tenha mostrado os progressos), todos os testes semanais tinham sido feitos, nunca  mais chegou atrasado, as pausas ironicamente batiam todas certo mas a produtividade aumentou- de tal forma que pela primeira vez em 4 meses ia ter direito a premio de performance.
Apliquei a mesma metodologia de estudar as pessoas da equipa e dar formação especifica (conceitos de maternidade e familia a uma, termos tecnicos informaticos a outro, citei letras de musica e biografia de cantor favorito para outro, etc etc). 10 em 10 melhoraram performance e o que revelava mais resistencia a mudança e o que mais punha em causa a minha preparaçao e conhecimentos tecnicos tornaram-se, respectivamente, no segundo funcionario mais produtivo e no proximo escolhido para cargo de liderança e se tornar meu par e grande apoio. Ao detectar os pontos menos fortes, punha-os a dar a proxima formaçao ao grupo sobre precisamente esse topico. Ao detectar pontos fortes, ia ter com eles e pedia a sua opinião quando eu era confrontado com algo que sabia que eles dominavam- mesmo que já soubesse ou achasse que sabia a resposta. E muito mas mesmo muito me ensinaram, garanto.

Não fiz nada surreal, fiz o que gostaria tivessem feito comigo; so falar, mostrar o porque das coisas, valorizar, negociar e desafiar. Os meus pares na liderança chamaram-me de fraco e instilar maus habitos e que os fazia parecer mal, que não deveria ser tão proximo pois nao seria respeitado- ainda que soubesse "separar as aguas" e ocasionalmente tivesse de corrigir.

O dia em que estavam as equipas em panico, cerca de 30 pessoas a atender um fluxo invulgarmente grande de chamadas. Podia ter gritado ou andado pela sala a fazer pressão para se despacharem. Podia, mas não devia, e não fiz. Pus um a fazer a parte burocratica, sai de onde estava, sentei no meio da sala, pus um headset e comecei a atender as chamadas tambem. Passaram dois "lideres" a dizer que nao era preciso aquilo e que um lider nunca fazia aquilo. Factos? A media de tempo de chamadas desceu cerca de 30% em menos de 10 minutos, não tive de dizer nada a ninguem. Essa noite saimos cerca de 18 de nós, já depois da meia noite do trabalho e ninguem estava com pressa para ir para casa, estavam animados, a rir, a falar do dia, a falar de si mesmos. Isto é o que ficou comigo e a isto dei valor, assim como a chamada dum lider 3 graus hierarquicos acima de mim a agradecer o trabalho feito- não ao telefonema e os mails que recebi no dia a seguir pelos meus pares a dizer que eu tinha agido mal, quebrado protocolo e rebaixado a mim mesmo e à posição que ocupava.

Onde ha dignidade quando somos avaliados pela cor da pele, genero, orientação sexual, religiao, etc? Onde há inspiraçao a dignidade e estimulo ao desempenho se quem deve dar exemplo mais vulgarmente o esmaga e age com despotismo?

Para os mais duros de coração, lembraria que manter dignidade enquanto trabalhador mantem alguma paz de consciência e margem de manobra e que tratar um trabalhador com dignidade invariavelmente fara com que a pessoa verdadeiramente se revele- para bem ou não, se afira melhor o potencial e se atinja o mesmo em menos tempo, com menor artrito e muito mais proveito para todos envolvidos.

Passamos tantas ou mais horas no trabalho que em casa com os familiares, companheiros/as e amigos. Se no lugar onde passamos mais tempo somos todos dias tratados com injustiça e chamados de ineficazes e menos capazes (tantas vezes que entra na cabeça e afecta o coração)- o que acham que vamos trazer para casa? Que conversas vamos ter com nossos filhos? Que energia teremos para dar aos outros? Que espiritualidade alimentaremos? Que tempo encontraremos para visitar os pais, ajudar um filho com trabalhos de casa, perguntar a nossa cara metade pelo seu dia e realmente ouvir, quanto tenmpo ou disposição para aprendermos algo novo, fazermos algo que nos divirta e enriqueça? O tempo que estamos em casa nao vai variar muito, mas se no trabalho (seja nas entrevistas, na escola, em trabalho efectivo, etc) não entrarmos com medo ou raiva e nao sairmos com um suspiro de alivio profundo como quem saiu duma praia onde se afogava- garanto, as poucas horas do dia que ainda temos vão ser mais bem gastas, mais valorizadas, rendem mais porque não são sobrevividas ou suportadas, são vividas.

quinta-feira, 10 de abril de 2014

ECONOMIA & HUMANISMO


Oikos Nomia, a Gestão/Regra da Casa. Uma amiga acaba agora a sua licenciatura nesta àrea. Conquanto com um curriculo impressionante, profundo e exigente , nele não se inclui Educação civica, Psicologia, Sociologia, História ( nunca em 3 anos lhe ensinaram que salário vem de sal, foi explicado o conceito de permuta e troca por generos mas não exemplificado e explicado como tal foi feito ao longo da história nem mesmo o porquê e como de se começar a fazer cunhagem de metais para moedas e mais tarde a criação de papel moeda- vulgo nota, etc), não inclui geopolitica, etc etc.

 Oikos ou Casa não é apenas tijolo e argamassa, não é aço, vidro, tinta e telha.  Casa é onde sós ou em conjunto encontramos segurança, propósito, apoio e crescimento.Os economistas e os "chefes" de hoje mesmo quando papagueiam códices de boas praticas, quando na ponta da língua nos citam Sun Tzu ou Osho ou a Biblia, raramente no seu dia a dia exercem auto-disciplina, compaixão, equidade, relativização face a prioridades empíricas. A economia actual é economicista, ou seja alimenta-se dos que a compoem mas serve-se a si mesma somente. Ora do que servem numeros, metodos de calculo, fórmulas complexas se não servirem uma utilidade e que o seja para os seus autores e contributores? Pode a cabeça existir sem o torso? Pode a mão dispensar o resto do corpo? Não há essencia ou proposito in-hilo numa filosofia, numa religião, num sistema politico ou numa religião- tanto quanto não há inerente valor ou razão de ser num copo de àgua pousado numa duna do deserto do Sahara a 4000km de qualquer humano.
Um livro é apenas um aglomerado de pasta de papel, linha, tinta e couro, um livro não o é até que alguém nele pegue e o leia- até ser lido um livro é apenas matéria inerte, lido é conhecimento  e emoção transmitido.Assim uma economia cega e auto-serviente é oca e inutil e só terá valor na directa proporcionalidade da sua utilidade para os que a pegam, alimentam e com ela crescem- ou não.

A axiologia, o estudo do valor intrinseco de algo- tendando ser o mais empirico  e o menos moralista possivel, o utilitarismo- a medida em que se avalia a practicalidade e utilidade de um objecto, principio ou pessoa para determinado fim (esperamos o bem comum) e a compaixão universal (o desejo sincero e empático pelo bem estar fisico, mental, emocional e espiritual de todas as criaturas vivas), são, na minha opinião, réguas pelas quais podemos medir, escalar e avaliar seja uma economia, um comportamento, uma religião, etc etc.

Entendo que nenhum humano conhecxe todas as partes da equação da vida, que nenhum de nós é sabedor do todo nem do porvir, podemos ainda assim na nossa limitada esfera de conhecimento tentar aferir o maximo numero possivel de factos, entender as implicações das escolhas, vislumbrar os desfechos possiveis e quando em duvida, aplicar o Principio da Navalha de Ocham, "Se em tudo o mais forem idênticas as várias explicações de um fenómeno, a mais simples é a melhor"
 Simples não é insulto nem sinonimo de simplorio, é de facil aplicabilidade e mais proveitoso e capaz meio de obter os resultados pretendidos.

Assim, a economia, enquanto sistema de gestão de uma Casa, duma familia, duma empresa, dum municipio, dum governo, só é útil  para o bem comum se e só se:

1) Axiologia: For baseada em valores empiricos, factos, numeros concretos (mesmo que apenas previstos mas com base em realidade não interpretativa mas pura- o que não é feito nas estatisticas de quase todas as empresas onde com uma pequenissima triangulação ou nova proporcionalidade não real se consegue manipular um relatorio completo de modo que se sirvam os propositos inicialmente estipulados mesmo que nao sejam realistas, factuais ou sequer justos). Infelizmente, é muito comum que quem paga é que decide se publica ou nao, se edita (que é como quem diz, sacode as equaçoes e reinterpreta) ou deixa como é. Esta má gestão é um des-serviço a boa economia e bons principios de quantificação e gestão e é pratica comum até no sector farmaceutico e alimentar- o que notamos quando empresas diferentes apresentam valores e conclusoes escandalosamente dispares sobre o mesmo objecto de estudo- e depois se conciliam quando so por acaso há uma aquisição desta ou doutra parte causando um conflito de interesses mas que porque por detras da cortina publica, ninguem nota e ninguem quer notar.

2)Utilitarismo. A economia e a gestão como um todo teem de ser de utilidade directa, comprovavel, quantificavel e qualificavel por todas as partes envolvidas. Uma empresa que permite atrasos constantes não é utilitaria- a produtividade fica comprometida, a coesão da equipa é afectada (os que cumprem versus os outros) e o proprio trabalhador que esta a chegar atrasado é prejudicado pois nao cresce, nao atinge o seu potencial e não o estamos a preparar para crescer dentro da empresa. Liderar seria falar com a pessoa, por exem,plo, sem fazer uma inquisição, sem juizos de valor, sem comentarios moralistas, simplesmente expor os factos, os numeros- minutos de atraso e trabalho calculado não feito, como isso esta a afectar o proprio e a equipa e oferecer disponibilidade para ajudar a ultrapassar esse percalço. Já pensaram que se calhar um colega atrasado é alguem que vai por os miudos na escola? Ou uma pessoa que luta em silencio contra uma doença crónica? Um colega nosso pode ter começado a chegar atrasado porque se sente invisivel, inutil e não valorizado . Ou pode, é um facto- mas por experiência é o menos comum- ter um ponto de melhoria comportamental e o atraso ser de falta de assertividade (o que volta a questao de que não se sente util nem de impacto no seu meio). Duma forma ou outra utilitarismo seria aplicar as tecnicas de gestão de emoções, gestão de tempo, gestão de recursos (porque temos de saber quanto produz cada um para avaliar quanto produzem todos e dai saber quanta pessoas são precisas para fazer o quê, quando e como), duma forma que seja factual, não moralista, de beneficio directo (imediato e meio/longo termo) para ambas as partes. Na economia podiamos aplicar este principio sendo sinceros, lógicos e realistas quando fazemos contas- saber  distinguir o que queremos do que precisamos, saber que embora querer e precisar sejam diferentes e tenham importancias diferentes , ambos devem ser satisfeitos. Um trabalhador sem tarefas é um desperdicio ao proprio e à empresa; um trabalhador sem valorização moral e sem dinheiro para se alimentar e viver com dignidade (nao falo luxo, falo um trabalhador nao ter de dizer ao filho para beber agua porque nao lhe pagam para dar leite) não vai aguentar muito tempo, não vai ter empatia com a equipa e liderança e tem maior probabilidade de ser um obstaculo a mudança e a decisões hierarquicas que nem sempre podem ser explicadas em detalhe. Um trabalhador por quem puxamos tanto quanto apoiamos (nem mais nem menos de nenhum lado) é alguém que sabemos nos vai dizer as coisas na face, que é mais permeavel a ser formado/ensinado em novos procedimentos, que mais facilmente tera empatia e confiança- porque existe reciprocidade e respeito a par de numeros e metas, o que implica mais produtividade, mais qualidade, menos artrito e um valioso apoio. Na minha opinião e experiencia em cerca de 16 anos de posições de liderança em contextos e empresas varias, não basta ter os numeros e formulas, há que aplicar e depois partilhar. Não basta eu saber porque é que temos de atender, por exemplo, 1200 chamadas por dia e todas em menos de 30 segundos, tenho de entender eu proprio o que se passa e o que esta em jogo e passa-lo a minha equipa, explicando o porque, as consequencias, as metas e depois dando a formaçao necessaria, o apoio moral/valorização, arregaçando as mangas e trabalhando  e exigindo mais de mim do que dos outros.


3) Compaixão. Não me refiro a caridadezinha arrogante, ao vicio de alguns meios de dar e ajudar só no sentido de manter as um fosso de diferenciação e um altar do ego. De igual modo não me refiro a fazer algo que até pode ser de verdadeira utilidade por outrem mas que disso fazemos propaganda- mais uma masturbação do ego. Compaixão e fazer porque deve ser feito, é ser e dar porque faz parte de nós. Porque, e so quando, entendemos que não estamos isolados mas interligados a toda a criatura vivente e que infligir conscientemente dor, mágoa, injustiça, desprezo a qualquer um é criar mais um elo na corrente de odio e maldade que ameaça a propria existencia da vida como um todo. Tem a Compaixão lugar na Economia? Deveria. Porque? Na medida em que trabalhamos com numeros que espelham o trabalho ou rendimento de pessoas, que teem vidas, dignidade propria, que connosco directamente ou não interagem e afectam.Tratar um trabalhador com dignidade, encontrar consenso possivel entre as necessidades da empresa e as do trabalhador ira sempre ser de benificio a ambos. Não se pode ter misericordia a mais por uma pessoa a tal ponto que se mutila uma empresa, mas também o reverso é verdade, não podemos valorizar tanto a empresa ou o status quo que desprezamos o ser humano ao nosso lado. Pagar uma formação a um trabalhador, ou um passe, não é um sacrificio para uma empresa- se o trabalhador aprende e aplica vai produzir mais e melhor e o que vai render vai ser mais do que o gastamos.De igual modo um governo que aplica um investimento na educação, tera uma população mais preparada e formada que poderá ocupar cargos mais bem pagos e/ou com uma produtividade mais acentuada e por consequencia nao so enriquecer culturalmente mas retribuir em impostos maiores- já para não falar na obrigação etica dum governo de por ao dispor da população o dinheiro que esta lhe entrega sobre impostos de modo a ser aplicada ao bem comum e crescimento fisico e mental do maior numero de pessoas. Dar seguido de receber mais- seja na economia, na liderança, nas relações humanas, não é um sacrificio é um investimento. A parte da Compaixão é ver as pessoas nos numeros e não so o reverso, e ver que um sistema só é bom quando é bom para o maior numero possivel de seus contribuintes, participantes e destinatários.

Assim que um economista, um gestor e um lider no sentido geral, devia ser menos um  Oikos Apolion um Destruidor da Casa e mais Oikos Kidemonas, um Guardião da Casa.

Citando Seneca, "Dum inter Homines sumus, Colamus Humanitatem", rudemente traduzido, "Já que estamos entre os homens/humanidade, sejamos Humanos"