quarta-feira, 23 de abril de 2014

Da Fé e do Amor


Uma das questões que me tem acompanhado e  dominado a vida, mais que quase qualquer outra coisa, é a busca pelo Divino. Seja "isso" o que for, quem for.
Aos 11 comecei a ler a Biblia, li os Vedas (tenho familia indiana), varios livros de diferentes denominações cristãs, li livros sobre budismo, islão, judaismo, sufismo, magia (não neo paganismo mas autores como Eliphas Levi, Agrippa, etc) e pude atraves dos meus avos falar com pessoas de variadas crenças.
Aos 14 anos , dia 19 de Maio de 1992, comecei uma viagem de 10 anos, sendo batizado a 27 de Junho de 1992, mais tarde ordenado ao sacerdócio,servido como lider de congregação e muitas outras funções e eventualmente membro do conselho de 12 que entre outras coisas avaliava as questoes disciplinares mais serias que por vezes surgiam.
Foi nesse mesmo conselho, numa reunião de Sábado, dia 7 de Julho de 2001, a cerca de um mês de fazer 24 anos - depois de ter falado em privado com o nosso lider e meu amigo, levantei-me e disse algo semelhante a isto:
"Lamento informar mas devo sair deste conselho e proponho que me excomunguem. Primeiro tenho diferenças por agora insanaveis de teor filosofico e teologico que nao consigo conciliar com a voz da igreja e , modestia a parte, não adianta me mostrar uma ou mil escrituras, conheço-as e conhecem-me bem suficiente para saber que sou capaz de as rebater e debater e dissecar rapida e incontestavelmente. No fim do dia, nao entrei pelas pessoas nem pelo que esta escrito mas pelo que senti e é esse sentimento que já nao aqui encontro. Segundo, embora nao tenha agido com base nesses sentimentos, sou homossexual e depois de muita leitura, muita oração e muito jejum (cheguei a jejuar 24 horas seguidas- sem sequer àgua, todos os domingos durante 4 meses) não consigo acreditar que seja pecado querer so amar e ser amado. Não é a carne que me chama, é o coração, é a consciencia."
Dois dos membros do conselho e o patriarca começaram, acto continuo, a chorar. Um disse que nao se excomunga uma pessoa por ser homossexual ou por ter uma crise de fé. Eu puxei das escrituras e debati que o grau de sacerdócio que detinha, as promessas, os votos que fiz, eram serios demais para agir de outra forma. E se eu estiver errado de facto? E se daqui a uns tempos quiser voltar em pleno, como limparia a consciencia? Como poderia ser livre e - se eu estiver errado e a igreja e sua doutrina forem as correctas, por a prova os meus sentimentos e pensamentos sem insultar e magoar o meu Pai Celestial e ser um hipocrita face aos convênios que fiz?
A excomunhão é o levantar duma benção, mas não é uma maldição. É o suspender dum convenio, duma espada sobre a minha cabeça. Se estiver certo, não ha nada a temer. Se estiver errado, as minhas exploraçoes, fisicas e as teologicas, serão uma bofetada de ingratidão na cara de Deus em quem ainda e sempre acreditarei e sempre quis ter por Amigo.
O lider levanta-se, inclina-se e abraça-me e so diz: "Se Cristo te ama, quem somos nós para fazer o contrário?" Garantiu que seriam fieis a letra da lei e assegurou que fosse qual fosse a decisao era sempre um irmao, sempre um amigo e sempre bem vindo.
Ate hoje, esta palavra foi sempre e repetidamente cumprida. Por isto também, devo gratidao e respeito a estas pessoas.

Não foi de animo leve que entrei numa igreja e fiz as promessas e votos que fiz, não foi em vão que sai. Segui o meu coração, tentei não ser impulsivo mas tambem nao estrangular as minhas paixoes. Um sentimento estrangulado afecta todo um ser. Devemos confrontar os nossos sentimentos, os bons e os menos bons, arrazoar, pesar, pensar, calcular o impacto na nossa vida e na dos que nos rodeiam. Se a decisão afecta o caminho que percorremos, seja religioso, ideologico, politico, medidas as consequencias, há mais a temer de cair em hipocrisia que da sensação isoladora de nos sentirmos sós. Vale mais uma solidão honrada que uma companhia indesejada ou construida em mentiras.

Continuo a acreditar em Deus com todo o meu coração, continuo a buscá-lo/la, leio, ouço, medito, oro, busco, raciocino e tento ouvir e seguir o que sinto ser, na minha limitada esfera de conhecimento e imperfeiçoes tantas, o caminho correcto aqui e agora.

Ainda tenho tantas questoes, tenho saudades da sensação de utilidade que tinha, a sensação de apoio moral e carinho genuino que por mais que goste nao posso deixar que seja uma muleta emocional nem uma moeda de troca pela tranquilidade e coerencia.

Continuarei esta busca enquanto houver um sopro de vida em mim; se a dado momento desta peregrinação notar que fiz 360º, não me preocupa o que dirão os que nestes anos me conheceram, os que possam ficar espantados ou achar estranho. O que fiz, o que disse, foi sempre com sinceridade para comigo mesmo e para com o Deus idealizado no meu coração- um ser, talvez um Pai ou Mãe Divino, que nos criou, que nos ama, que conquanto tenha a capacidade de sentir ódio não o sente, mas antes mágoa. Um Deus que não castiga por ser diferente quando o coração é sincero e tenta fazer o que pode ameio a imperfeiçao e barulho dum mundo louco e apressado. Por muito que tenha passado e passe, acredito , como disse o inadvertido poeta ao escrever/rasgar na parede em Auschwitz antes d ir para o que sabia ser a sua morte certa:
"Acredito no sol, mesmo quando não brilha, acredito. Acredito no amor, mesmo quando o não sinto, acredito. Acredito em Deus, mesmo quando Deus esta silencioso, eu acredito"

Desde então estudei hinduismo, islão, cabala, budismo, neo paganismo, wicca, astrologia, numerologia, não sei quantas "logias" mais  e dentro de cada as suas variadas interpretações, assim como argumentos nihilistas e ateus/ateistas,  e a procura continua.

Por ora, sinto-me num enclave. Demasiado convicto de que a homossexualidade não é "per se" uma ofensa  a Deus para me integrar numa igreja; por outro lado, com uma componente espiritual e paixão por conhecimento e aproximação de Divindade que me torna aberração em quase qualquer meio e certamente entre a maioria dos homossexuais que encontrei ao longo destes 12 anos. Para uns como eu amo é uma razão de pena, para outros acreditar em Deus parece tambem o ser pois acham que devo ser menos inteligente ou menos emocionalmente corajoso para carecer muletas emocionais e amigos imaginários.

Mas não cedo pela aceitação seja de quem for; amar e crer são coisas demasiado profundas, viscerais diria, para por em causa por algo tão efemero e oco como aceitação de pares dum ou outro grupo social.

Por vezes nao sei se a minha estranheza é teimosia, mas por isso mesmo não paro de ler, de ouvir, de debater, de a cada resposta obtida a contrapor com mais questoes. Esta busca, este não baixar os braços, esta vontade de me entender tanto quanto o conceito de Divino, define-me e agir de outro modo- mesmo que assegurasse a companhia de muitos ou o companheirismo de um especial, não me satisfaria pois ao fim do dia todos tiramos a mascara. Quero me deitar de bem comigo mesmo, de bem com Deus, de bem com quem me rodeia - tentar.

Onde esta estrada me leva, eu não sei; não posso pedir muita ajuda e nao a posso dar porque estamos todos no mesmo barco. Mas quero poder me deitar em paz, sair de casa e saber que se algo nesse dia suceder para encurtar a minha viagem deste lado, ao passar o véu, com a vergonha de todas as minhas imperfeições, não deixarei de me sentir limpo de falsidade, não deixarei de ser "impertinente"e mesmo de joelho dobrado não evitarei levantar o queixo e olhos para cima.
 Nesse dia, que espero ainda venha longe, que atravesse o Véu, certamente muito aprenderei e provavelmente muito chorarei por coisas feitas, coisas que nao me atrevi a fazer e dizer mas que deveria pelo bem de mim e dos que me rodeiam. Nesse dia no horizonte,por razoes que não são secretas mas apenas sagradas demais para expor a quem quer que seja ate noutra margem nos encontrarmos, não saberei então melhor ou mais profundamente do que sei agora de que existe de facto uma entidade Divina, que é não uma personagem ficticia produzida pela psike faminta de conforto ou uma lenda de embalar, mas um ser real, sábio/a, poderoso/a, origem de actos, antevisões e episodios que vivi e que as leis conhecidas da presente ciência não pode explicar. Sei também que é possivel amar sem ser amado, amar alguem de tal forma que mesmo quando os caminhos não se cruzam, nunca deixamos de lhes desejar bem e de lhes enviar um pensamento positivo, um abraço, um ouvido sempre que seja preciso sem que seja esperar pela requisição.Quem crê- mesmo no silêncio aparente, quem ama- mesmo que não percepcione ser amado, nunca dá dum cesto vazio.

A fé, assim como o amor, na minha opinião imperfeita, falivel e susceptivel de mudança face a progressivo raciocinio, não é nunca- na sua acepção mais saudável e eficaz, nem canibalista nem parasitaria; deve ser autotrofica e transversal a todas as dimensoes que compoem o ser. Fe sem raciocinio, Amor sem respeito, Crença sem auto identidade e perpetuo questionar das coisas, Amor em "piloto automatico" ou como mera masturbação do ego- isto sim, esvazia a alma. Dar, amar, crer, buscar, crescer para manter a persistencia dos "porquês"? Esses não dão dum saco vazio, nem com isso se esvaziam, apenas se ramificam, abraçam cada vez mais longe e fundo no tecido da Vida, da realização emocional e intelectual e da Iluminação espiritual.

Não tenhamos pena nem medo nem asco de quem ama ou crê de forma diferente; tenhamos compaixão por quem não se ama nem se atreve a amar, tenhamos atenção por quem vende o seu individualismo e saude emocional e independencia em troca de aceitação duma pessoa ou grupo, tenhamos abertura para aceitar o facto de que ninguem pode nem deve julgar- positiva ou negativamente, seja a quem for (nem a si mesmo), por crença, cor de pele, politica, genero, idade, orientação sexual ou aparencia. Cada homem e mulher, cada alma, vale o que faz, o que escolhe ser e fazer por si e pelo bem comum. Para citar um rapaz que acho bastante sábio e compassivo, ja de há alguns anos atras, com uma vida muito dificil e muito pouco conhecida e menos ainda emulada: "Pelos seus frutos os conhecereis." Aplica-se a quem nos rodeia, a escolhas e caminhos diante de nós, a organizaçoes, a nós mesmos.

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