sábado, 22 de março de 2014

O PESO DA SAUDADE

Esta é uma palavra que alegadamente so existe em português, ainda que seja sentida por qualquer um em qualquer ponto do mundo ou do tempo.È uma angustia doce, um recordar de algo bom mas com nostalgia; às vezes é lembrar de coisas menos boas mas que de alguma forma nos tornaram mais fortes. É lembrar quem ja nao esta aqui, onde nós já não estamos, o que sentimos e perdemos.

No dia 23 de Março faria anos o meu ex-companheiro, dia 26 faria anos a minha Mãe, dia 27 faria anos um amigo; os três já faleceram e ainda que acredite em alguma forma de existência continuada após a morte, não deixo de ter um lado céptico e  nostálgico. Nesta semana, Saudade é um termo que conheço bem.

Pessoalmente, ainda que não me impeça de viver, as minhas saudades pesam-me  ainda estou a aprender aos 36 anos a viver com perda. O tempo não cura, mas ajuda, especialmente a por as coisas nos seus lugares, a dar a prioridade certa aos momentos, pessoas, locais e sentimentos. Especialmente quando sozinho ou quando magoado, é dificil evitar que essa "caixa de memórias" se abra e me invada de Saudade; uns dias é uma brisa, há dias em que é como uma onda gigante que me assola, tira-me o ar e deixa-me a mente em claro como se de repente todos os pensamentos, sons e sensações se transformassem em sombras e frio.

Tenho saudades da minha Mãe que perdi aos 13 anos. Tenho saudades do meu pai que depois de me ter dado uma infância esmagada pelo seu comportamento emocional e  fisicamente violento, deixou de beber, pos a sua mente e coração em ordem , soube dar uma volta de 180º e quando começou a ser um verdadeiro Pai, quando eu comecei a entender que as pessoas podem mudar e teem direito a uma segunda oportunidade, faleceu depois duma agonizante luta contra o cancro. Tenho saudades da igreja e de me sentir util e aceite, de sentir que era parte de algo maior que eu mesmo, de sentir que um parente celestial me ama e acredita no meu potencial.  Tenho saudades da minha missão de dois anos onde senti e vi que pude ajudar pessoas a sentirem-se melhor consigo mesmas, com os outros e com Deus.  Tenho saudades de me apaixonar. Tenho saudades da rotina louca de trabalho de quando trabalhava 8 horas por dia na recepção dum hotel pequeno, fazia 2 part-time em restaurantes, e ainda tinha energia e alegria para sair, ir ao cimena, beber um copo, ouvir, falar, etc. Tenho saudades de não ter de me preocupar em manter as refeições sob um tecto máximo de 1 a 1.5€ por dia para aguentar mais uns tempos sem ter de recorrer a ajudas que ainda acho são para quem precisa mais do que eu. Tenho saudades de quando na igreja ou no liceu, sem telemoveis ou internet, havia pessoas a vir ter comigo e perguntar como estou, a empurrar-me para fora de casa, a ajudar-me a sentir util e não invisivel. Tenho saudades de mim mesmo, da garra, atrevo a dizer da coragem que tive em sair da igreja e de casa quando tinha esgotado todas as hipoteses de sanar ideologia e ética conflituante, quando dei o meu "grito de Ipiranga" e declarei para mim mesmo que merecia ser livre, merecia não ter de ser abusado emocional e verbalmente, que merecia amar sem culpa e ver todos os seres humanos como válidos filhos de Deus sem noções preconcebidas baseadas em algo tão inimputavel e inocuo como genero, raça, etnia ou religião- em vez de merito proprio por escolhas, atitudes e caracter.

Quando vejo as coisas desta forma é como se pusesse os oculos; a realidade não mudou apenas a vejo mais focada, como é. Olho para o meu presente, sem Mãe nem Pai (partiram cedo mas quando estavam bem, na crista da onde de sua integridade e dignidade), sem companheiro, sem igreja, sem trabalho (sem o aprendizado e camaradagem mas de cabeça erguida de ter sempre feito o meu melhor, de ter excedido expectativas proprias e de quem me liderava e de ter saido não por medo, fraqueza em lidar com stress ou orgulho mas por honra e lealdade a empresa e meus pares).

Sempre vai acontecer, no meio de tantas escolhas que temos de fazer a cada dia, fazermos escolhas menos boas, outras movidas por impetos ou sentimentos menos altruistas- somos homanos faliveis. Sempre vamos ter um pouco de saudade por aquilo que deixamos, o que nos foi tirado, os que jã não estao aqui, os que estão por cá mas escolhem agora não estar "aqui". Mas é a minha opinião, experiência e esperança de que quando tentamos fazer as nossas escolhas com o maximo possivel de dignidade, respeito pela integridade propria, buscando o menos mal possivel na ausencia dum claro bem maior, acreditando (e sim vou citar Star trek) que "the needs of the many outweigh the needs of the few... or the one", as coisas teem um jeito de se encaixar. A saudade ainda lá está, mas não lutamos com ela. O mesmo passado que ficou com as coisas e a gente e os lugares, é o mesmo que nos trouxe ao "Aqui e Agora". 

E neste momento e lugar, estou sentado sozinho a secretaria com a cadela encostada aos meus pés a dormir, depois de mandar tantas sms's a "amigos", visitar familia que resta para quem não deixei de ser apenas um miudo e que em 14 anos nunca me visitaram nem telefonaram uma unica vez nem mesmo para Natal ou aniversario em que sou eu que tenho de ir ter com eles, depois de tanta gente que visitei em casa, no hospital, em funerais, em depressões, em tentativas de suicidio, em momentos de ressaca  e tentativa de abandono de varias substancias, depois de conhecer homens para quem não era gay suficiente ou outros para quem não sou "butch" e bruto que chegue, depois de 5 anos numa empresa a trabalhar lado a lado e a conhecer de perto mais de 50 pessoas.

Dói? Claro que dói; mas são dores de crescimento. Tenho saudades sim mas é maioritariamente uma ilusão, saudades do que parecia ser e não é- e isto é algo que a Saudade faz tambem, exagera o que foi de modo que o passado nos parece tao melhor que o presente.Mas não me arrependo, ser de utilidade, ser sensivel, ter ambiçoes, buscar mesmo quando não buscado, apoiar os que para quem ate precisarem sou invisivel, insistir em tentar unir a minha familia que gosto e respeito e que sei são apenas frios nada mais, de tentar apoiar quem de perto lida com a morte, perturbações psiquicas ou crises existenciais- mesmo que por dentro sinta que estou a dar de um saco vazio. 

Não sou uma boa pessoa, apenas  estou "programado" assim, é a unica forma de ser que concebo. Não o faço conscientemente, é-me tão espontaneo, inconsciente e isento de mérito como o facto de pedir por favor a minha cadela quando quero passar, dizer obrigado quando me da beijinhos de manha ou pedir-lhe desculpa quando noutro dia estiquei as pernas na cama sem saber que ela estava no fim da cama e caiu.

Penso que o que queria passar é que todos temos Saudade, que essa nostalgia pode ser uma brisa ou um tsunami e que a intensidade da mesma tem mais a ver com a certeza e paz de consciencia que temos com as nossas escolhas e muito pouco a ver com o passado "per se" e a nossa perpsectiva do mesmo que será possivelmente deturpada por expectativas e sentimentos não correspondidos no presente.
Neste sentido, depois dum flashback emotivo, ponho a Saudade onde ela deve estar, não na frente da testa nem num canto escuro de negaçao ou deturpaçao de factos, mas na prateleira devida, algures entre a minha mente e o meu coração.

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